Por Celso Niskier
Século XXI. Inovação, tecnologia e disruptura estão entre os conceitos em voga e que têm mobilizado a sociedade a repensar a si, bem como suas formas de produção e aplicação do conhecimento, seu modo de se relacionar, de se comunicar. Vivemos um tempo no qual certezas desmoronam diante dos nossos olhos ao passo que realidades impensáveis se concretizam. Enchemos a boca para falar que novos tempos demandam novas atitudes e novos conhecimentos, mas até que ponto estamos preparados para lidar com tudo isso?
Entre as questões que ainda nos puxam para tempos passados, a resistência à educação a distância (EAD) é uma das mais impressionantes. Apesar do esforço frequente empenhado por especialistas, governos e até mesmo pelo setor particular de educação superior para desconstruir uma série de mitos relacionados a esse universo, ainda são muitos aqueles que se mantém abraçados a um passado para o qual não há mais retorno.
O Brasil possui ampla legislação educacional segundo a qual todo e qualquer curso superior precisa seguir uma série de regras e diretrizes, como as estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e que devem ser cumpridas por todas as instituições de ensino. A verificação da qualidade do serviço ofertado é mensurada por mecanismos distintos e complementares, como avaliações in loco nas instituições de ensino e a aplicação de prova presencial aos graduandos. Apesar disso, ainda tem quem se dedique a desqualificar a educação a distância.
Poucas coisas são mais defasadas do que o argumento de falta de prática entre os graduados da EAD. Em alguns cursos, especialmente nos da área da saúde, o conteúdo ofertado de modo presencial (e geralmente prático) chega a ultrapassar o limite de 30% de presencialidade previsto para os cursos a distância na legislação vigente. Esse, aliás, é um limitador que precisa ser excluído já que não há distinção de conteúdo entre cursos presenciais e a distância, inclusive com relação à carga horária de atividades práticas.
A falta de prática ganha discursos ainda mais acalorados quando o que está em pauta são cursos da área da saúde. Os argumentos falaciosos de que as IES colocarão no mercado médicos e enfermeiros sem as aptidões práticas necessárias para o desenvolvimento das profissões são, no mínimo, muita má fé. Presencial e EAD precisam respeitar as diretrizes curriculares do curso e que não fazem qualquer distinção entre as modalidades. Portanto, não existe graduação da área de saúde que seja 100% online. A modalidade respeita de forma obrigatória a carga horária de atividades práticas prevista nas diretrizes curriculares, inclusive com a utilização dos mesmos laboratórios utilizados pelos estudantes do presencial.
Para além da ampliação do acesso aos cursos da área de saúde, a EAD ainda conecta os estudantes com ferramentas modernas de formação e interação. Trata-se, inclusive, de um processo que conecta o aluno com conhecimentos e habilidades necessárias ao profissional do Século XXI. Como detalhou recentemente, em artigo, o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, Sidney Klajner, a simbiose entre tecnologia e saúde não é futuro, mas presente. No texto, Klajner conta que desde 2012 a telemedicina é realidade na instituição e que só conta com bons resultados. Já em entrevista, ele é categórico ao afirmar que de 70% a 80% das questões de pronto atendimento podem ser resolvidas por meio da telemedicina.
Enquanto o país ainda discute, às vésperas da terceira década do Século XXI, se EAD pode ou não pode, se é boa ou ruim, inovações e descobertas não param de surgir. Insistimos em um debate que há tempos deveria ter sido substituído por como aproveitar melhor as novas tecnologias educacionais. O ensino intermediado pela tecnologia é uma realidade posta e contra a qual somente se opõe quem ainda vive sob a crença dos mitos a ela relacionados, geralmente construídos por quem se sente sua segurança profissional ameaçada ou teme a revolução social que somente acontecerá por meio da educação.
Não é de hoje que informações irreais ou distorcidas são propagadas como verídicas. Assim como tem acontecido com relação a outros temas, a sociedade brasileira precisa despertar para a quantidade de “fake news” relacionadas à EAD. É preciso desconstruir mitos que ainda povoam o imaginário popular e que em nada contribuem para o avanço socioeconômico do país. Caso contrário, de que servirão tanta inovação, tecnologia e disruptura?
______________________________________________
Celso Niskier é Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e Reitor do Centro Universitário UniCarioca