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Mais do que aprender, empreender

Por Celso Niskier

Português, matemática, ciências, história, geografia. Essas são algumas das disciplinas que há décadas compõem os currículos da educação básica brasileira. Isso porque estamos acostumados a pensar em escola como espaço de aprendizagem formal e absorção de conteúdos. Isso mesmo em um contexto no qual é sabido que a maior parte das informações apreendidas por nós enquanto crianças e jovens, com sorte, ficarão relegadas a um compartimento bem secreto e distante da memória. Poucos são os conhecimentos que nos acompanharão pelo restante da vida, seja por necessidade profissional, seja por interesse pessoal.

Enquanto nossa formação educacional é focada no “conteudismo”, praticamente não existem espaços nos quais possamos desenvolver outras áreas do conhecimento – e de autoconhecimento – que são tão ou até mais relevantes para a formação enquanto pessoas, cidadãos e agentes protagonistas de desenvolvimento. Onde e em que momento da vida temos oportunidade para conhecer nossas habilidades pessoais e trabalhar as competências que o Século XXI impõe a nós enquanto pessoas e profissionais?

Embora não seja uma tarefa simples, há no país um debate sobre a revisão do processo educacional para um modelo que seja mais efetivo e adequado às demandas de uma sociedade pautada por constantes transformações nas suas mais distintas áreas. Novas disciplinas estão, aos poucos, sendo incorporadas ao currículo escolar, como robótica e empreendedorismo.

Ao contrário do que o senso comum tenta nos fazer acreditar, empreendedorismo é, sim, uma disciplina que pode, e deve, ser ensinada. A compreensão de que empreender é uma característica nata de alguns indivíduos tem dado lugar ao entendimento de que empreendedorismo consiste em uma atitude que pode ser estimulada e desenvolvida.

Tenho uma história de quase trinta anos de atuação como empreendedor educacional e já tive a oportunidade de transitar bastante tanto no universo empresarial quanto no acadêmico, e apreender o melhor dos dois mundos. Quando iniciei na docência, em grande parte inspirado pelo exemplo de pessoas muito próximas, conhecia nada – ou quase nada – sobre empreendedorismo. Mesmo tendo tido uma formação educacional que considero de qualidade, nunca tinha sido orientado nesse sentido. No meu caso, como ainda hoje tem sido a regra, tive que desbravar um universo totalmente novo quando, junto com um ex-professor, organizei um cursinho pré-vestibular de Física.

Naquela época, empreendedorismo não era uma palavra tão presente no nosso dia a dia, muito menos seus meandros e técnicas. No âmbito das instituições de educação superior, tratava-se de um conteúdo praticamente inexistente, com algum recorte superficial nos cursos de Administração de Empresas. O debate sobre sua centralidade e transversalidade não existia, como ainda hoje não existe nas instituições brasileiras. Talvez isso explique parte do nosso atraso em relação a outras nações, especialmente no quesito inovação.

No ano passado, juntamente com a Delegação Internacional da ABMES, tive a oportunidade de (re)visitar algumas instituições de ensino israelenses responsáveis por formar a base empreendedora do país, que hoje atende pela alcunha de “nação das startups”. Ali, de conteúdo das disciplinas até trabalhos finais, quase tudo é pautado pela força motriz do jovem de criar, inovar e empreender.

No Brasil, estabelecer um currículo educacional que privilegie a inovação e o empreendedorismo ainda parece um sonho distante, mas alguns esforços começam a ser desenvolvidos nesse sentido. Um exemplo é o Instituto Êxito, liderado por Janguiê Diniz. Fundada por 34 empreendedores de diversas áreas, a iniciativa tem como objetivo fomentar nos jovens, em especial os de baixa renda, o espírito empreendedor.

Partindo da premissa de que sem uma cultura empreendedora, inovação e desenvolvimento sustentável o Brasil não alcançará o posto de nação desenvolvida, o Instituto Êxito tem sua atuação pautada em uma série de eventos e cursos gratuitos, em uma ampla rede de apoio aos estudantes e na criação de grupos voltados para a busca de soluções voltadas à acessibilidade de pessoas com deficiência, além de gerar formas inovadoras de promoção do bem-estar social.

Se o empreendedorismo é uma prática que pode ser estimulada e ensinada, existem competências específicas que precisam ser trabalhadas ao longo desse processo. De modo geral, pode-se afirmar que elas se dividem em três eixos: pessoais, técnicas e gerenciais.

As competências pessoais para um bom empreendedor não distinguem muito daquelas almejadas para o profissional do Século XXI: autoconhecimento, raciocínio lógico, ser criativo e ter capacidade de se comunicar e de se expressar. Para além dessas, há uma competência fundamental para o indivíduo que pretende enveredar pelo universo do empreendedorismo: visão empreendedora. É fundamental que a pessoa tenha capacidade de identificar e reagir positivamente diante de oportunidades de negócios.

Apesar da falsa compreensão de que boa parte dessas competências pessoais sejam natas e difíceis de serem desenvolvidas, o quadro se altera quando o que está no foco são as competências técnicas e gerenciais. Sobre estas, praticamente não há entendimento de que não possam ser aprendidas.

Entre os requisitos técnicos para um empreendedor estão a tomada de decisão, a otimização de processos e recursos, a capacidade de analisar dados estatísticos, a aptidão para elaborar e avaliar planos de negócios e, por fim, a capacidade de estabelecer acordos e consensos com pessoas ou grupos, ou seja, aptidão para a negociação.

Já as competências gerenciais consistem na capacidade de administrar recursos financeiros, de liderar e gerir pessoas, de compreender a operação e a dinâmica do negócio, de administrar diferentes tecnologias e recursos digitais e de usar as mídias digitais enquanto ferramentas estratégicas para a promoção do empreendimento, bem como para mapeamento do perfil do público com o qual interage.

Portanto, a educação empreendedora não apenas é possível como é necessária. Ela possibilita a formação de pessoas com múltiplas competências e com habilidade para se adaptar diante de novas situações.

A compreensão da amplitude dos benefícios ocasionados pelo ensino do empreendedorismo é suficiente para justificar sua inserção nas salas de aula. É mais do que evidente que estimular o comportamento empreendedor vai além de ensinar como abrir uma empresa ou a pensar de forma inovadora. A prática também impulsiona o desenvolvimento de habilidades e competências que ainda não são ensinadas nas salas de aula, mas são fundamentais para o sucesso pessoal e profissional de cada cidadão.

Muitos são os caminhos possíveis de serem trilhados na construção de uma nação mais próspera e justa. Na conexão entre a educação e o empreendedorismo pode estar boa parte do trajeto que nos conduzirá a soluções para os problemas que atravancam o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Celso Niskier é  Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e Reitor do Centro Universitário UniCarioca

Fonte: ABMES